Prefácio a 'O gravador do Juruna', de Juruna, Hohlfeldt & Hoffmann (Ribeiro 1982)
  • Ribeiro, Darcy. 1982. Prefácio: Mário Juruna. In Juruna, Mário; Hohlfeldt, Antonio; Hoffmann, Assis. 1982. O gravador do Juruna, p. 7-8. Série Depoimentos, 2. Porto Alegre: Mercado Aberto.

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Prefácio
MÁRIO JURUNA


Mário Juruna, cacique da comunidade indígena de Namunkurá, em Mato Grosso, conquistou um lugar visível neste mundo. É mais conhecido no Brasil e lá fora, no estrangeiro, do que qualquer intelectual ou político brasileiro dos mais badalados. Por quê?

Além de conhecido, Mário Juruna é respeitado e ouvido. Tanto que, no passado, presidiu o Tribunal Russell que se reuniu em Roterdam na Holanda para julgar os crimes contra os índios das Américas. E este ano será eleito deputado federal pela ilustre cidade do Rio de Janeiro. Estou seguro de que ainda ouviremos falar muito de Juruna.

Como e por que este líder de uma aldeia indígena com menos de 100 pessoas se impõe, assim, a todos nós? Metade da resposta se encontra certamente na forte personalidade de Mário Juruna que faz sentir, de imediato, o seu carisma. A outra metade está na autenticidade de sua encarnação da causa indígena. Ele é a grande voz índia do Brasil que calou indigenistas, antropólogos e missionários que pretendiam interpretá-la. Depois de Rondon, os índios do Brasil têm pela primeira vez um representante incontestável: Mário Juruna.

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Quanto ao vigor da personalidade de Mário, eu o senti e medi, umas vezes, vendo-o retratado no pasmo e no acatamento com que a gente olha pra ele e o saúda quando andamos juntos pelas ruas do Rio de Janeiro. Mas foi na Holanda que o percebi mais claramente nas expressões de dezenas de lideres indigenas norte-americanos — vestidos de índios, com suas plumas e pinturas — que olhavam cheios de espanto e respeito a cara limpa de Mário Juruna, vendo nele o índio.

Tanto quanto a figura de Mário Juruna, impressiona seu espírito. Ele é a própria razão selvagem olhando, com toda inocência e agudeza, a desrazão civilizada.

— Quem inventou este papel com que tomam nossas terras dizendo que são donos?
— Que religião é esta de brancos rezando para Deus e mentindo, machucando e roubando?
— Índio não é bicho não. Indio é gente. Indio não é criança não, tem que ser respeitado.

O mais surpreendente no fenômeno Juruna, porém, é que ele não é um. Somam dezenas os lideres indígenas que ultimamente alçaram suas vozes em todo o Brasil reclamando contra os que perseguem, espoliam e matam os poucos índios que nos restam.

O Papa, na última missa que celebrou no Brasil, rezou pelas almas de cinco lideres indígenas assassinados nos últimos anos. Depois disto, outros índios foram mortos. Nenhum dos assassinos — e alguns deles são bem conhecidos — foi sequer incomodado. Isto não é de matar um povo de vergonha?

Neste livro admirável que Mário Juruna compôs com Antonio Hohlfeldt e Assis Hoffmann, você tem o retrato desse homem extraordinário que está nos ensinando a nós brasileiros a sermos mais dignos e menos perversos.

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