Os índios Kaingáng do Oeste Paulista, após o processo de pacificação, foram levados a viver em aldeias, demarcadas pelo Governo e administradas pelo SPI – Serviço de Proteção ao índio (hoje FUNAI). A primeira aldeia que surgiu desse processo foi a de Icatu, localizada a 8 km da cidade Braúna, no Oeste Paulista. Os professores Kaingáng de Icatu atualmente demonstram a preocupação com o ensino da língua, já que, segundo eles, a fala e a escrita do Kaingáng do Sul não correspondem com a do Kaingáng de São Paulo e que há diferenças entre as duas variedades. Para verificar se entre as duas variedades. Para verificar se as observações dos Kaingáng paulistas têm fundamento, propusemo-nos em descrever o dialeto Kaingáng paulista da aldeia Icatu, comparando-o com o dialeto Kaingáng do Sul. A hipótese é a de que a divergência entre as duas variedades do Kaingáng se deve ao contato do Kaingáng de Icatu com a língua terena, também falada nessa aldeia, e, principalmente, com o português, atualmente a primeira língua. Para tanto, investigamos a ordenação e as categorias Tempo, Modo e Aspecto (TAM), diferenciando aspectos morfossintáticos mais visíveis entre as duas variedades. Para averiguarmos a ordenação e a categorização do TAM no Kaingáng do Sul, utilizamos os trabalhos de Wiesemann (1967, 1971, 2002), D´Angelis (2004, 2005) e Gonçalves (2007, 2009a, 2009b, 2010a, 2010b). E, para mostramos os aspectos relacionados à sintaxe do Kaingáng paulista, embasamo-nos em Cavalcanti (1987), D´Angelis e Silva (2000), D´Angelis (2002a, 2002b, 2006a, 2006b, 2008a, 2008b). O corpus analisado compõe-se de sentenças e narrativas produzidas por professores Kaingáng da aldeia paulista de Icatu, com a ajuda de uma das falantes mais velhas. Ao compararmos o dialeto paulista de Icatu com o do Sul, notamos que, apesar de sua obsolescência e sua ortografia distanciada da ortografia do dialeto do Sul, a morfossintaxe da variedade de Icatu não diverge da do dialeto do Sul. Como o Kaingáng do Sul, o Kaingáng paulista de Icatu configura-se como uma língua posposicional, em que predomina a ordem SOV, em sentenças transitivas, e SV em intransitivas. Quanto à categoria Aspecto, o Kaingáng paulista distingue o Aspecto Perfectivo, o Imperfectivo e o Fasal, com as marcas expressas no final da oração. A categoria Modo, em ambos, é marcada por partículas gramaticais e lexicais, expressando as modalidades doxástica, dubitativa, epistêmica e deôntica. Tanto o dialeto do Sul como o paulista de Icatu marcam a categoria Tempo com expressões lexicais e elementos gramaticais. As duas variedades expressam apenas tempo Presente e Futuro. Diferentemente do Kaingáng do Sul, o dialeto paulista vem reduzindo o uso de marcas gramaticais de Tempo, de Modo e, mais raramente, de Aspecto. Os resultados demonstram que, de fato, o dialeto Kaingáng paulista de Icatu está mudando, em razão do multilinguismo em que vive a aldeia. Essa diversificação linguística no Kaingáng, como esclarece D´Angelis (2008a), é uma consequência natural da autonomia de seu povo sobre sua língua e deve, portanto, ser respeitada.
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