Relembrando Nimuendaju em Jovelina (Pinto 2008)

por Lúcio Flávio Pinto*

Jovelina morreu anônima num dos pavilhões da Santa Casa de Misericórdia de Belém no dia 2 de novembro de 1972. Deixou de ser anônima apenas em função do sobrenome: Nimuendaju. Incorporou-o ao casar com Curt Unkel, que, por sua vez, se notabilizou ao anexar ao seu nome alemão o Nimuendaju (“aquele que criou seu próprio caminho”) dos índios apopokawa-guarani, do interior de São Paulo.

Esse foi o primeiro dos 30 grupos indígenas aos quais dedicou quase 40 anos da sua vida, desde que chegou ao país adotivo, em 1903, com apenas 20 anos. Mesmo sem ter formação acadêmica em antropologia, Nimuendaju realizou estudos com alto rigor científico, com ênfase sobre as populações de língua jê.

Curt Nimuendaju é considerado um dos maiores etnólogos do Brasil, se não o maior, pela amplitude e singularidade da sua obra. Era tido como um homem esquisito: calado, cultivava a solidão, um modo de ser que se harmonizava com a sua atividade de pesquisa, pela selva, em contato direto com povos indígenas.

Quando estava em Belém, se isolava no parque zoobotânico do Museu Goeldi, ao qual prestava serviços, como ao Serviço de Proteção aos Índios, antecessor da Funai. Diz-se que um dia decidiu casar com a cabocla Jovelina por uma razão prática bem germânica: se era ela que cuidava da sua roupa e da sua comida, podia se dedicar a toda a sua vida.

Visitei Jovelina quando ela já estava próxima do fim, na Santa Casa. Parecia jamais ter tido ideia da importância do marido, com o qual não trocou um único diálogo sobre o que ele fazia. Respondeu monossilabicamente às perguntas do repórter, interessado em saber de detalhes da vida do grande personagem.

Nimuendaju mereceu registro especial em um encarte da edição da revista Realidade dedicada à Amazônia, um marco do jornalismo brasileiro (conquistou o Prêmio Esso de 1972, sob a batuta de Raimundo Rodrigues Pereira).

O obituário da viúva de Nimuendaju (que morreu em 1945, aos 62 anos de idade) foi singelo em A Província do Pará. O jornal se limitou a assinalar que, nos seus últimos dias de vida, ela “foi atingida por uma insidiosa enfermidade, passando a viver em sérias dificuldades. Seus rendimentos limitavam-se a uma modesta pensão do governo do Estado do Pará, que era completada pela generosidade de algumas pessoas ligadas profissionalmente ao seu ilustre marido”.

Artigo publicado originalmente em novembro de 2008. Republicado em 19/fev/2003

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