Ihering e a "solução final" para o "problema indígena" (Ribeiro 2009)

por Eduardo R. Ribeiro

O artigo de Ihering (1907) é a tradução da segunda edição de um opúsculo publicado em inglês por ocasião da Exposição Universal de Saint Louis (EUA), em 1904. Enquanto a primeira edição (1904) em inglês não inclui mapas ou material lingüístico, a segunda edição (1906) inclui mapas com a distribuição histórica e contemporânea dos povos indígenas do Brasil meridional e os vocabulários Oti ("Eochavante") de Telêmaco Borba e Ewerton Quadros, além de alguns itens lexicais Kaingáng e "Notobotocudo" (Xetá).

Sugerindo que "a língua dos Eochavantes parece ser um tanto alliada á dos Gês", Ihering dá início à idéia (sem fundamento) de que o Oti seria geneticamente relacionado às línguas Jê (idéia adotada mais tarde por Greenberg). Também digna de nota é a opinião de Ihering (que, como respeitado naturalista e diretor do Museu Paulista, era um dos principais nomes da ciência no Brasil de então) sobre o destino que se devia dar aos índios de São Paulo (p. 215):

"Os actuaes indios do Estado de São Paulo não representam um elemento de trabalho e de progresso. Como tambem nos outros Estados do Brazil, não se póde esperar trabalho sério e continuado dos indios civilizados e como os Caingangs selvagens são um impecilio para a colonização das regiões do sertão que habitam, parece que nao ha outro meio, de que se possa lançar mão, senão o seu exterminio."1

Embora a segunda edição difira pouco do trabalho divulgado em St. Louis no que diz respeito à situação contemporânea dos índios de São Paulo (além do acréscimo de dados lingüísticos e mapas), este parágrafo e o que o segue não ocorrem na versão original (um fato que parece ter passado despercebido mesmo entre autores que se dedicaram detidamente a este texto). É interessante indagar o que teria levado ao acréscimo deste trecho, que tanta polêmica geraria, à segunda edição (e sua tradução ao português). É possível que Ihering considerasse tais afirmações como potencialmente "chocantes" para o público mais "sofisticado" presente à Exposição; parece-me mais provável, no entanto, que o trecho tenha sido acrescentado como propaganda para consumo interno, dado o clima político-acadêmico da época (para o qual, vide Penny 2003).


Publicado originalmente na Bibliografia Macro-Jê Online (4/ago/2009). Atualizado em junho de 2020.

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