SINCERIDADE E EXATIDÃO, eis as duas constantes que prevalecem ao longo das páginas dramáticas e muitas vezes otimistas deste livro de Frei José M. Audrin, dando o seu longo testemunho de 34 anos de convivência com o brasileiro, o sertanejo, das regiões das bacias do Tocantins, do Araguaia, do Xingu e seus afluentes. Um brasileiro pobre, é verdade, lidador e lutador, que subsiste pràticamente à margem do largo processo de integração realizado com maior presteza por populações da faixa litorânea e do interior de vários Estados mais organizados na sua economia e vida social, mas que apesar disso - e êste livro nos mostra à saciedade - possui enormes reservas espirituais e físicas para continuar a mesma luta interessada dos bandeirantes passados no sentido de ocupar efetivamente as regiões em que vivem. Esta fé no sertanejo, esta certeza da sua função integradora, embora lenta, perpassam pelas páginas do livro como uma mensagem de esperança e de sadio otimismo.
O depoimento de Frei José M. Audrin divide-se em duas grandes partes: na primeira, os leitores tomarão contato com ampla descrição dos sertões brasileiros no século XX e as condições de vida dos sertanejos descritas pormenorizadamente (caçadas, pescarias, lavoura, alimentação, habitação, vestuário, doenças e terapêutica); na segunda, sob o tema geral da mentalidade e costumes dos sertanejos, ternos o exame objetivo da fisionomia do habitante do sertão, suas crenças religiosas, superstições, a família, as relações sociais, instrução, os deveres cívicos, as relações entre sertanejos e índios e os jagunços sertanejos. Tudo a revelar enorme parte do Brasil, absolutamente ainda à margem do processo de renovação e progresso das regiões litorâneas. De modo que em pleno século XX as observações de Frei José M. Audrin constatam a sobrevivência de padrões culturais típicos da época colonial, registrados há mais de um século por numerosos viajantes que percorreram as regiões focalizadas por este livro.
O que sobretudo impressionará aos leitores nestas páginas claras e tranqüilas é a constatação de um Brasil arcaico, velho e quase oitocentista, a enformar a paisagem social, econômica e não poucas vezes política, de milhares e milhares de brasileiros na bacia do Tocantins, do Araguaia e do Xingu. Os mesmos hábitos alimentares, de moradia, de higiene, do vestuário, de exploração agrícola, observados, por exemplo, no início do século XIX, pelo inglês Henry Koster nas províncias nordestinas, por Augusto de Saint-Hilaire ou por Castelnau e tantos outros viajantes. No fundo, uma situação que é de pioneirismo, frente às numerosas e difíceis condições de uma assimilação rápida do progresso.
Não sendo etnólogo, não sendo o que se consideraria um cientista, estas páginas de Frei José M. Audrin ganham por isso mesmo um sentido profundamente dramático. Ferem essa cruciante problemática brasileira que se sintetiza no conflito entre dois Brasis, o arcaico e o moderno, como já observara Euclides da Cunha em seu famoso livro e o repetiria ainda recentemente o francês Jacques Lambert. São observações e registros de um homem, de um sacerdote, que sentiu profundamente tais condições de vida entre milhares e milhares de brasileiros ainda não completamente integrados no processo moderno de civilização e desenvolvimento, dadas as condições sócio-econômicas, os padrões de cultura que os cingem a um modo de vida de que dá o mais amplo, sereno e autorizado depoimento. "Admiremo-los, escreve o autor, como os pioneiros silenciosos mas teimosos da verdadeira marcha para o oeste."