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RIBEIRO, Darcy
  • Religião e mitologia kadiuéu. Conselho Nacional de Proteção aos Índios, publicação n. 106. Rio de Janeiro 1950. xv, 222 pp. in-8.º, 13 pp. de notações musicais no texto e 2 fora dêle, 1 prancha no texto e 9 fora dêle. Bibliografia.

Baseado em trabalho de campo feito pelo autor, como etnólogo do Serviço de Proteção aos Índios, nos anos de 1947 e 1948, e na literatura sôbre os Kadiuéu (Kaduveo), seus antepassados e vizinhos, a presente obra é um "exame das relações acaso existentes entre os textos míticos e a realidade atual e antiga para verificar de que modo a cultura se inscreveu nêles e como êles a influenciaram". (p. xi). Nesse "esfôrço de compreensão dos significados e funções dos mitos", a comparação com os mitos de outras tribos foi deixada, de propósito, em segundo lugar (cf. ibidem), ainda que o autor reconhecesse ser o patrimônio mítico kadiuéu, "em grande parte, um composto de elementos de origens diferentes" (p. 53). Chega, porém, à conclusão de que "o alto grau de consistência da mitologia como expressão da configuração socio-cultural provou que a adoção de elementos estranhos foi precedida por uma redefinição ou presidida por um critério seletivo que excluiu os incompatíveis, resultando disto a inexistência de correlação entre a origem estranha dos mitos e sua vinculação à cultura; tanto os originalmente elaborados pelo grupo, quanto os adotados, são ìntimamente relacionados à sociedade e à cultura Kadiuéu." (p. 54). Apesar de tudo isso faço votos para que o autor, um dia, tenha oportunidade de estender mais a parte relativa à mitologia comparada, aproveitando-se melhor da respectiva literatura sôbre os índios do Chaco e da América do Sul em geral. Tais estudos "difusionistas" trazem, às vêzes, esclarecimentos surpreendentes mesmo para o "funcionalista", principalmente se êste está interessado no que Darcy Ribeiro chama de "realidade antiga", isto é, no passado da cultura examinada.
A primeira parte (pp.1-55) é dedicada à mitologia, tratando das constelações e fenômenos atmosféricos, da gênesis, do criador e do burlador ("trickster"), do sobrenatural, bem como de histórias que são "puras expressões do gôsto pela narração" (p. 48), portanto, não mitos propriamente ditos. A segunda parte (pp.57-133) é um estudo dos principais aspectos da religião daqueles índios mato-grossenses. Na terceira parte são apresentadas versões portuguêsas dos mitos e contos (pp.137-180), textos originais de cantos de médicos-feiticeiros com tradução interlinear em português (pp.181-198) e as notações musicais dêsses cantos (p.199-213 e 2 pp. fora do texto entre p.188 e 189).
Convém retificar o que por lapso ficou à p. 36: Pareci ao invés de Bakairi. Tratando do tema mítico da peneira celeste (pp.98-99), o autor confunde Chamakoko com Tapirapé e erra na citação das fontes (nota 169).
Entre as obras de Etnologia Brasileira aparecidas em 1950 a presente é, sem dúvida, a mais importante, dando-se o caso extremamente raro na nova geração dos cientistas sociais brasileiros, de um autor que mostra ótimas qualidades tanto no trabalho de gabinete como também na pesquisa de campo e não só num dêsses dois lados da atividade etnológica. Sua publicação marca época na história do Serviço de Proteção aos Índios, pois com ela se inicia a produção de estudos realmente científicos por essa instituição.
Cf. os comentários de Kalervo Oberg na Revista do Museu Paulista, N. S., V, São Paulo 1951, pp.266-267, e de Nicanor Miranda em Anhembi, III, n. 9, São Paulo 1951, pp.520-524.

(p. 578-579)

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