NASH, Roy
- A Conquista do Brasil. Tradução de Moacyr N. Vasconcellos. Série Brasiliana, CL. São Paulo, 1939. 501 pp. in-8.º, 7 mapas no texto, 12 pranchas. — Título do original norte-americano: The Conquest of Brazil (New York, 1926).
Depois de historiar, resumidamente, o tratamento dado pelos brancos aos índios do Brasil, o autor chega à seguinte conclusão: "Ninguem mais que nós admira o esplendido trabalho do General Rondon e as iniciativas do Governo Brasileiro em prol do íncola; entretanto, a despeito dêsse notável esfôrço, a espécie de relações que predomina na zona de contacto cada vez mais reduzida, entre a civilização e a barbárie, é, em 1926, tão pouco diferente da de 1532 que, ainda hoje a única forma de liberdade que resta ao selvagem é a morte e para sua mulher a concubinagem. Quando essa situação tiver atingido o fim, i.e., quando o último índio genuino tiver desaparecido, êsse desfecho patético, — aliás de grande significação biológica — só terá repercussão dentro de minguada zona sertaneja. Assim se processou a fusão da Europa com a America-Asiática. Foi assim que o sangue do brasileiro absorveu do ameríndio a coragem, a robustez física, a resistência à dôr e a adaptação ao meio ambiente. O fato de terem essas qualidades penetrado na corrente etnológica pela escusa porta da bastardia, não tem significação do ponto de vista eugênico; mas o de serem muitos dos povoadores que costumavam agir nessa zona oscilante que separa a civilização da selvageria, homens que não poderiam viver em sociedade sem que sobre êles passasse a mão punitiva da justiça — isso sim, poderá ser motivo de pesar tanto para os que se simpatizam com o índio que se vai tão tràgicamente extinguindo como para o brasileiro, de cujas veias o sangue selvagem jamais desaparecerá. O direito do brasileiro levar a termo êsse processo de assimilação, até que o último chefe indígena, com um sorriso de escárneo sobre os lábios altivos, seja precipitado de um penhasco e a última escrava de sua raça tenha cruzado a soleira do serralho d'algum seringueiro sifilítico — êsse direito do brasileiro, diziamos, não há como ser negado. É essa a trágica significação da palavra Soberania. O Brasil, porém, como todo o resto do mundo, terá, provavelmente, dentro de um ou dois séculos, de por-se em contacto muito mais íntimo com outros povos, e então, os representantes da Espécie Humana, reunidos em algum centro onde impere a mais apurada civilização, poderão pedir contas ao brasileiro, de tal sistema administ[r]ativo. Quando a taça tiver passado de mão em mão e chegar a sua vez de usar a palavra êle talvez nem possa explicar com clareza a obra destruidora de seus antepassados dos primeiros cinco séculos - história essa que a posteridade poderá julgar de maneira diversa dos nossos contemporâneos — a menos que alguma coisa se faça imediatamente no sentido de aclarar e conservar, em prol da raça, a verdadeira história da cultura aborígene no Brasil. Tanto em benefício da humanidade como de sua própria raça, o Brasil está no dever de organizar um Departamento de Etnologia, orientado por antropologistas competentes, que prossigam e intensifiquem as investigações etnográficas até que um dia, cem milhões de brasileiros, orgulhosos e compungidos, reunam-se para assistir os últimos momentos do último representante de uma raça que se foi." (pp.170-172).
Estas palavras, escritas há mais de vinte anos, infelizmente ainda não encontraram o eco que seria de se desejar.
Diante de assunto de tanto alcance, torna-se insignificante o seguinte equívoco, e só a escrupulosidade do etnólogo me obriga a apontar tal minúcia. A prancha pegada à página 33 reproduz uma fotografia com a seguinte descrição: "Uma família selvagem. Note-se a sarabatana e a flauta nasal". Segundo a Revista do Museu Paulista VIII, São Paulo 1911, p. 39 e estampa VI, trata-se de uma fotografia tirada pelo viajante Garbe entre os Botocudos do rio Doce, que representa um homem tocando flauta com o nariz e uma mulher bebendo água do taquaruçu, usado como vaso por êsses índios.
(p. 482)