LÉRY, Iean de 1534-1611
- Histoire d'un voyage faict en la terre du Bresil, avtrement dite Amerique. Reveve, corrigee, et bien augmentee en ceste seconde Edition, tant de figures, qu'autres choses notables sur le suiet de l'auteur. Pour Antoine Chuppin, M.D. LXXX. in-8.º pequeno. Prefácio de 15 fôlhas não numeradas, texto de 382 páginas numeradas, índice de matérias de 6 fôlhas não numeradas, 8 pranchas, duas das quais reproduzem a mesma xilogravura.
Léry declara ter permanecido entre os Tupinambá durante quase um ano, vivendo familiarmente com êles. Confirma as notícias dadas per Staden, das quais sòmente teve conhecimento oito anos depois de publicar a sua própria narrativa, como explica numa carta citada por Ternaux Compans e autores posteriores. Por outro lado, Léry critica violentamente, e não sem razão, as observações sôbre os índios brasileiros publicadas por Thevet, seu compatriota e antagonista na profissão religiosa.
Como todos os autores de sua época que tratam de Etnografia do Brasil, Léry dá maior importância ao problema da antropofagia. Com relação a isso, a seguinte observação sôbre os Tupinambá revela a objetividade do inteligente francês: "… não comem a carne, como poderíamos pensar, por simples gulodice, pois embora confessem ser a carne humana saborosíssima, seu principal intúito é causar temor aos vivos. Move-os a vingança, salvo no que diz respeito às velhas, como já observei."
O livro de Léry destaca-se dos escritos de Hans Staden e Gabriel Soares, principalmente, pelo seu valor lingüístico. Plínio Ayrosa, que valorizou a última edição brasileira com notas tupinológicas, nela restaurando, traduzindo e anotando também o célebre colóquio tupinambá-francês do capítulo XX, disse muito bem a êsse respeito: "… em nenhum outro cronista dos anos afastados em que se iniciava a colonização regular do Brasil, encontraremos elementos tão abundantes e tão curiosos sôbre a chamada língua-geral… "
Esta edição contém também trechos de melodias índias, que representam os documentos mais antigos da música brasileira.
As xilogravuras da obra de Léry, se bem que sejam tecnicamente superiores às da primeira edição de Staden, não são tão ricas como estas em material etnográfico.
Léry afirma ter voltado do Brasil à Europa em 1558. Publicou a primeira edição de sua narrativa de viagem em 1578. A segunda saiu em 1580, em Genebra, "revista, corrigida e bem aumentada", e é nela que deve basear-se o investigador. Reimpressão desta é a melhor e mais acessível edição francesa moderna, publicada em 1880, com numerosas notas de Paul Gaffarel. Observa, também, êste comentador a respeito da edição de 1580: "É ela muito preferível à precedente".
A obra de Léry foi traduzida para o latim, alemão, holandês e português. A melhor e mais completa de tôdas as edições até hoje feitas, apareceu na tradução de Sérgio Milliet, como volume VII da "Biblioteca Histórica Brasileira", sob a direção de Rubens Borba de Moraes, em São Paulo, 1941. Contém 280 páginas in-8.º grande, fac-símile do mapa do Brasil, de Cornelis de Jode de 1593, e não somente as ilustrações da edição original e de outras subseqüentes, como também algumas gravuras contemporâneas pouco conhecidas.
As opiniões de numerosos autores que elogiam Léry são citadas no estudo de Francisco Rodrigues Leite, intitulado "Iean de Lery, viajante de singularidades" (Revista do Arquivo Municipal CVIII, S. Paulo 1946, pp.23-112). Êste crítico brasileiro, porém, depois de confrontar o texto de Léry com "Les Singularitez de la France Antarctique" de Thevet, chega às seguintes conclusões: "… uma análise um pouco detida do livro de Iean de Lery deixa claro não haver aí, a não ser em construção pirotécnica, qualquer contribuição verdadeiramente pessoal para o conhecimento da terra e dos costumes dos aborígenes americanos. Nosso homem terá viajado, porque não, mas que tenha sido viajante de terras da América quem poderá provar? A composição de um livro como o seu estava nas possibilidades de qualquer um sem sair de la Margelle, de Genebra, ou de qualquer outro lugar da Europa. Bastava, a uma certa facilidade literária, juntarem-se os livros de Thevet, Gomara, Staden e pouca coisa mais. Tudo o que há em seu livro, excluídos os fogos bem entendido, se encontra nessas fontes. Resta um pouco de geografia e a documentação linguística. No corpo do livro gasta Lery com certa abundância sua terminologia tupí. Mas todos os vocábulos indígenas que aí aparecem, é bom também que se acentue, aparecem no Colóquio existente no fim do livro. Dêsse Colóquio diz Gaffarel: 'Il se pourrait comme le lui reproche Thevet (Histoire manuscripte de deux voyages par luy faits aux Indes. Bibliot. nat. fonds Saint-Germain franc. n.656), que Lery ait emprunté ce colloque à l'un de ses compagnons, Normand d'origine, ou à Villegagnon lui-même. Au reste il (Villegagnon) estoit si habil homme qu'IL AVOIT ESCRIT VN DICTIONNAIRE & COLLOQUE EN LA LANGUE BRÉSILIENNE, qu'il a communiqués à plusieurs notables personnages, comme à feu M. Le Chancellier L'Hospital & à feu M. Baudin, procureur general du roy en sa cour de parlement à Paris, à chacvn desquels il en donna vne copie. Au retcur du siege de Sancerre, VN NOMMÉ ODE… SUR BONNE FOY PRESTA LADITE COPPIE À CE LERY, LEQUEL DESPUIS L'A FAIT IMPRIMER EN SON NOM' (os grifos são nosses). (Hisyoire d'un Voyage faict en la Terre du Bresil, ed. Paul Gaffarel, Paris, Alphonse Lemerre, MDCCCLXXIX, t. 2, p. 209). — É afirmação de um rival, pede-se observar. Os fatos, porém, confirmam a versão. Porque, se não teríamos um caso curioso: — Um viajante vai viajar. O viajante é um viajante arguto e muito capaz de transmitir literàriamente as próprias impressões. Acontece assim fazer uma narrativa da viagem. Tudo bem costurado, tudo apresentado em forma bem razoável. Acontece, porém, que tudo o que o viajante conta outros viajantes contaram, frases inteiras que usa outros viajantes usaram. Às vezes o viajante se esparrama e o crédulo leitor acredita ver coisa nova. Mas a coisa nova na verdade não é nova, ou melhor, é nova, como a bolha de sabão em face da gota de água de que provêio. Nosso viajante, em cujas observações não há mais que observações de outros, nosso viajante por fim joga na mesa informações suas, rigorosas e precisas, sôbre um domínio específico das coisas da viagem. Até prova em contrário deve-se achar que também essas informações não são do esperto VIAJANTE. E assim temos um viajante que não viajou; se viajou não observou; e se observou, guardou consigo e não contou."
(p. 390)